1.
SACRISTÁN, J. Gimeno. Compreender
e Transformar o Ensino
2. SACRISTÁN,
J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a
prática
3. SAMPAIO,
Maria das Mercês Ferreira Um Gosto Amargo de Escola: Relações entre
currículo, ensino e fracasso escolar
4.
SCHMIDT, Saraí A
educação em tempos de globalização
5.
SCHÖN, Donald. Reflexões sobre o professor
reflexivo com base em Schon
6. SILVA,
Janssen F, da; HOFFMANN, Jussara; ESTEBAN, Maria T. (Orgs.). Práticas
avaliativas e aprendizagens significativas - Em diferentes áreas do currículo
7.
SILVA, Tomaz T. (org) Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais.
8. SILVA,
Thomaz T.Org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução
aos estudos culturais em educação
9.
SOARES, Magda Alfabetização
e Letramento: caminhos e descaminhos
10. SOLÉ,
Isabel. Orientação educacional e intervenção Psicopedagógica
|
Compreender e Transformar o Ensino
Os professores como planejadores
Embora o professor não seja o único agente que elabora o currículo escolar, possui um papel importante ao traduzir para a prática qualquer diretriz ou seleção prévia dos conteúdos. Desta forma, além do professor auxiliar na elaboração dos currículos escolares, sua participação vai além, desempenhando atividades práticas como a elaboração de roteiros de conteúdos, preparo de atividades ou tarefas, previsão de materiais que serão utilizados, confecção ou seleção dos mesmos, acomodação do mobiliário em sala de aula, etc. A prática de planejamento de professores pode ser vista sob uma perspectiva gerencial, isto é, como um passo que faz parte do processo de desenvolvimento do currículo. Também pode ser encarada sob uma ótica fenomenológica, onde a programação dos professores são as operações que estes realizam quando planejam. Já sob uma perspectiva técnico-cientificista, os professores, ao programar ou planejar, desejam alcançar racionalidade em suas decisões. A perspectiva psicológica, por sua vez, entende que os processos de planejamento incluem as atividades mentais que os professores desenvolvem ao realizar seus projetos, assim como quando aplicam os planos à realidade, visto que planejar implica tomar decisões, considerar alternativas e resolver problemas. E um enfoque coerente com a tradição acadêmica determina que o professor, como planejador, deve seguir a estrutura interna do conhecimento que leciona em diferentes áreas ou disciplinas. Finalmente, a perspectiva prática entende o plano curricular como função básica dos professores, que reflete em seu trabalho a sua profissionalização. O enfoque prático concede valor à habilidade dos professores em buscar a forma de aprendizagem mais adequada aos interesses dos alunos, partindo da premissa de que aprender é consequência de um envolvimento pessoal e de um processo de reflexão que não pode ser previsto desde o começo. Porém, ao lado dos pontos positivos há também fatores negativos, e a maior dificuldade desse enfoque reside no fato de se apoiar demasiadamente nas possibilidades do professor, mas não propor soluções, deixando o educador totalmente à mercê dos acontecimentos externos.
Configuração de um modelo prático para os professores
Num enfoque prático o professor não atua seguindo modelos formais ou científicos, nem segue à risca modelos de ensino ou de aprendizagem. Isso não impede, porém, que o professor possa aproveitar ideias e teorias científicas, mas quando fizer isso deverá sempre dar seu toque pessoal às situações que surgirem. Em seu trabalho em sala de aula, o primeiro desafio do professor consiste em manter a cooperação dos estudantes nas atividades propostas. Conseguindo que seu trabalho flua e que dê bons resultados. Sendo assim, o professor deve-se levar em conta os desafios mais elementares que o ensino apresenta, e não subestimá-los. Conclui-se que o sucesso dos planos curriculares devem muito à habilidade prática do professor em controlar e sanar situações deficitárias em seu ambiente de trabalho. Também para um bom sucesso na implantação dos planos curriculares e um melhor esclarecimento daquilo que se pretende, é importantíssimo que os professores os elaborem com base em esquemas mentais, geralmente não explicitados, e que por sua vez baseiam-se em esboços escritos. E o mais importante de qualquer programação escrita é que ela seja um reflexo real dos esquemas mentais, não seguindo pura e simplesmente exigências burocráticas da escola. O plano curricular significa para os professores a oportunidade de repensar a prática, representando-a antes de concretizá-la. O desenvolvimento dessas atividades deve seguir um processo cíclico: pensar antes de decidir, observar ou registrar o que acontece enquanto se realiza o processo e aproveitar os resultados e anotações tomadas em relação ao processo seguido para se ter em mente como melhor proceder em uma nova oportunidade. http://www.zemoleza.com.br/carreiras/39817-resenha-compreender-e-transformar-o-ensino.html |
SACRISTÁN, Gimeno
O currículo: uma reflexão sobre a prática
Capítulo 1: Aproximação ao Conceito de Currículo.
Segundo o autor do texto o conceito de currículo começou a ser utilizado em nível especializado muito recentemente, a prática a que o currículo se refere é uma realidade bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos entre outros.
O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural, um modo de organizar uma série de práticas educativas.
A partir das várias definições existentes para o currículo o autor analisa a partir de cinco âmbitos diferenciados: o ponto de vista sobre sua função social como ponte entre a sociedade e a escola; projeto ou plano educativo composto de diferentes aspectos, experiências, conteúdos; como a expressão formal e material desse projeto que deve apresentar seus conteúdos, suas orientações e sua sequências para abordá-lo; refere-se ao currículo os que entendem como um campo prático; referem-se a ele os que exercem um tipo de atividade discursiva acadêmica e pesquisadora sobre todos estes temas.
É importante analisar o currículo para entender a missão da instituição escolar em seus diferentes níveis. O autor centra a análise nos códigos e nas práticas nos quais os conteúdos ganham valor. Analisar o currículo significa estudá-los no contexto em que se configura expressando práticas educativas e resultados.
O currículo tem toda educação, transformando suas metas básicas em estratégias de ensino. Os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado.
A escola em geral sob qualquer modelo de educação, adota uma posição e uma orientação seletiva frente a cultura, que se concretiza no currículo que transmite. O sistema educativo serve a certos interesses concretos e eles se refletem ao currículo.
O currículo é um elemento de referencia para analisar o que a escola é como instituição cultural e na hora de elaborar um projeto alternativo.
Um ponto fraco de certas teorizações sobre o currículo reside no esquecimento da ponte que deve estabelecer entre a prática escolar e o mundo do conhecimento ou da cultura em geral.
O currículo é o mecanismo através do qual o conhecimento é distribuído socialmente. O currículo passa a ser considerado como uma invenção social que reflete escolhas sociais conscientes e inconscientes, que concordam com os valores e as crenças dos grupos dominantes na sociedade.
O currículo modela-se dentro de um sistema escolar concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se de determinados meios, cristaliza num contexto, que é o que acaba por lhe dar o significado real.
O currículo faz parte de múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente a prática pedagógica de ensino.
O significado do currículo é dado pelos próprios contextos em que se insere: contexto de aula, contexto pessoal, contexto histórico e contexto político.
Para a realização de uma análise esclarecedora de nosso sistema educativo, convém distinguir subsistemas ou âmbitos nos quais se expressam práticas relacionadas com o currículo: o âmbito da atividade político-administrativa; o subsistema de participação e de controle; a ordenação do sistema educativo; o sistema de produção de meios; os âmbitos de criação culturais, científicos, etc.; subsistema técnico-pedagógico: formadores, especialistas e pesquisadores em educação; o subsistema de inovação e o subsistema prático-pedagógico.
O currículo é o cruzamento de práticas diferentes e se converte em configurador de tudo o que podemos denominar como prática pedagógica nas aulas e nas escolas.
A maioria das práticas pedagógicas tem a característica de estar multicontextualizada. As atividades práticas que servem para desenvolver os currículos estão sobrepostas em contextos aninhados uns dentro de outros ou dissimulados entre si. O currículo se traduz em atividades e adquire significados concretos através delas.
O estudo do currículo serve de centro de condensação e inter-relação de muitos outros conceitos e teorias pedagógicas, porque não existem muitos temas e problemas educativos que não tenham algo a ver com ele.
Nos momentos em que se toma consciência da falta de qualidade no sistema educativo, a atenção se dirige para a renovação curricular como um dos instrumentos para sua melhora. Isso leva a se fixar imediatamente em dois aspectos básicos: os conteúdos do currículo e a metodologia nas aulas.
O currículo é a expressão da função socializadora da escola. É um instrumento que cria toda uma gama de usos, de modo que é elemento imprescindível para compreender o que costumamos chamar de prática pedagógica. Está relacionado com o conteúdo da profissionalização dos docentes. No currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas: pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos materiais, de controle sobre o sistema escolar, de inovação pedagógica, etc. o currículo é um ponto central de referencia na melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de inovação dos centros escolares.
O autor propõe-se a definir o currículo como o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administrativamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada.
Este conceito de currículo sugere que existem grandes grupos de problemas que são os que definitivamente concretizam a realidade curricular como cultura da escola: A aprendizagem dos alunos nas instituições escolares está organizada em função de um projeto cultural para a escola, o currículo é uma seleção de conteúdos culturais organizados que estão codificados de forma singular. Esse projeto cultural se realiza dentro de determinadas condições políticas administrativas e institucionais, o currículo na prática não tem valor a não ser em função das condições reais nas quais se desenvolve. Por trás de todo currículo existe uma filosofia curricular ou uma orientação teórica que é síntese de uma série de posições filosóficas, epistemológicas, científicas, pedagógicas e de valores sociais.
A preocupação pela prática curricular é fruto das contribuições críticas sobre a educação, da análise do currículo como objeto social e da prática criada em torno do mesmo.
Para que o currículo contribua para o interesse emancipatório, deve ser entendido como uma práxis, opção que se apoia em alguns princípios, são eles: deve ser uma prática sustentada pela reflexão enquanto práxis; uma vez que a práxis tem lugar num mundo real e não em outro o processo de construção do currículo não deveria se separar do processo de realização nas condições concretas dentro das quais se desenvolve; a práxis opera num mundo de interações, que é o mundo social e cultural significando que não pode se referir de forma exclusiva a problemas de aprendizagem; o mundo da práxis é um mundo construído, não natural, assim o conteúdo do currículo é uma construção social; do princípio anterior se deduz que a práxis assume o processo de criação de significado como construção social, não carente de conflitos, pois se descobre que esse significado acaba sendo imposto pelo que tem mais poder para controlar o currículo.
O currículo, além de ser um conglomerado cultural organizado de forma peculiar que permite análises desde múltiplos pontos de vista, cria toda uma atividade social, política e técnica variada, quadro que lhe dá um sentido particular.
A mudança e a melhora da qualidade do ensino colocar-se-ão não apenas no terreno mais comum de por em dia os conhecimentos que o currículo compreende para se acomodar melhora a evolução da sociedade, da cultura, ou para responder a igualdade de oportunidades inclusive, mas como instrumento para incidir na regulação da ação, transformar a prática dos professores, liberar as margens da atuação profissional, etc.
As teorias curriculares haverão de ser julgadas por sua capacidade de resposta para explicar essa dupla dimensão: as relações do currículo com o exterior e o currículo como regulador do interior das instituições escolares. A perspectiva dominante dos estudos curriculares, que padeceu de uma forte marca administrativa e empirista desde suas origens, não pode satisfazer a nenhuma dessas aspirações.
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SAMPAIO, Maria das Mercês Ferreira
Um Gosto Amargo de Escola: Relações entre currículo, ensino e fracasso escolar
A autora se apoia no pressuposto de que o currículo em ação (1) se expressa por meio de situações de ensino, atividades, tarefas e que - examinadas na relação com a organização da escola - podem desvelar o processo de aprendizagem e o conteúdo curricular.
O foco de seu estudo é a análise de documentos de recursos impetrados por alunos, contestando sua reprovação na rede pública estadual de São Paulo.
Seu questionamento:
- o que eles pediam (e porque pediam) para permanecer na escola?
- Por que a escola lhes impediu a permanência?
- O que pretende a escola quando expulsa, pela porta dos fundos, milhares de alunos que gostariam de nela permanecer?
A autora persegue dois alvos:
- a apreensão do pedagógico, daquilo que está entranhado nas relações curriculares e disciplinares; e
- por consequência, daquilo que, por estar arraigadamente entranhado na nossa escola pública, produz-se como fracasso necessário.
E faz duas indagações básicas:
- por que a escola pública brasileira fracassa?
- Por que é da sua lógica fracassar e imputar ao aluno a culpa do fracasso?
Faz, também, um estudo histórico e uma análise crítica do movimento que resultou na atual versão das "Propostas Curriculares" do Estado de São Paulo:
- de um lado, focaliza as diretrizes legais e normativas que embasam o currículo prescrito;
- e, de outro lado, os fatores condicionantes que determinam as "atualizações do currículo" nas salas de aula.
Dessas análises resultam subsídios que auxiliam a compreensão da relação entre currículo e produção do fracasso escolar.
E revela uma escola pública que se julga guardiã de um patrimônio cultural socialmente construído, em relação ao qual ela decide quem terá acesso e quem estará condenado a não acessá-lo, pois reflete, cegamente, as hierarquias sociais e os mecanismos sociais de inclusão e exclusão.
O currículo emerge
Em termos metodológicos, a autora centra seus estudos na análise dos currículos, considerados por ela ordenadores do que se faz na escola e o meio através do qual é o conhecimento é transmitido, além de suas relações com o desempenho dos alunos.
Assim, elegeram-se os seguintes objetivos:
- esclarecer questões relativas ao conhecimento distribuído na escola: o que é anunciado e o que é de fato oferecido, possibilitado ou sonegado aos alunos da escola básica;
- o que, no currículo, é domínio de decisão da escola e dos professores e quais as principais aquisições (conhecimentos) que a escola consegue realmente garantir;
- desvendar a possível relação entre currículo e fracasso escolar, captando na lógica do currículo os fatores que podem estar associados à produção do fracasso dos alunos;
- contribuir para possibilitar e conferir propriedade à reflexão do setor pedagógico escolar, que atua próximo à orientação dos rumos da escola - e que deve conhecer a prática, para poder interferir nela.
O currículo organiza-se em torno de um conjunto de disciplinas que constituem componentes nitidamente diferenciados, não apresentando relações entre si.
A organização dos conteúdos apoia-se na seriação e na sequência em cadeia de pré-requisitos dispostos em ordenação crescente de complexidade e dificuldade. O regime de seriação é facilitado por essa organização de currículo.
A importância dos pré-requisitos
Os pré-requisitos aparecem como dado importante no texto, elemento a partir do qual são formuladas muitas das questões contestadoras, de reprovações.
Para professores e diretores, o aluno fica reprovado "porque não tem pré-requisitos" - e tudo é pré-requisito: ninguém é reprovado, então, por falta de um conteúdo qualquer ou específico.
Todas as disciplinas se organizam pelo referencial dos pré-requisitos, os quais permitem perceber relações que vão além de uma saudável e necessária indicação de sequência e continuidade no trabalho dos conteúdos; e isso é verificado quando os pré-requisitos se complementam na indicação de conteúdos e objetivos.
Publicada em 1998, a obra, sua tese de Doutoramento defendida junto à PUC-SP (1997), não alcançou, cronologicamente, a fase de mudanças havidas no ensino no Brasil e especificamente no ambiente de sua pesquisa (a escola pública de São Paulo), pela Secretaria de Estado da Educação, seja quanto à melhoria da qualidade o atendimento (oferta de vagas), seja quanto a programas de formação e aperfeiçoamento de professores e diretores (agora rebatizados de gestores educacionais), além da adoção oficial da progressão continuada, o que diminuiu drasticamente o expediente da repetência.
Nem por isso se pode dizer tratar-se de um estudo "datado" (expressão utilizada nos meios acadêmicos, muitas vezes maldosamente, para rotular um autor ou texto, em função do momento em que foi escrito). Nossa observação no trato com escolas públicas nos mostra bolsões de resistência às mudanças previstas para o ensino, tanto da parte de professores quanto dos quadros burocráticos. Ou seja - muitos dos fatos observados no trabalho de Maria das Mercês permanecem (ou resistem) e atuam, negativamente, no cotidiano escolar. O currículo em ação - essa sombra cinzenta que paira sobre o dia a dia da escola - e que tem a ditadura do livro didático - de um lado - e a "tramitação burocrática" (essa herança da colonização portuguesa que tanto nos afeta ainda nos dias de hoje) - de outro, como maiores expressões, é ainda uma realidade presente e concreta na escola pública brasileira (inclusive as de São Paulo, onde se avançou, e muito, nas reformas).
Hoje, apesar disso, se tem generalizada a noção de que há diferenças significativas entre o ensinar e o aprender - o que tira definitivamente, das costas do aluno, a responsabilidade solitária pelo fracasso escolar (o fracasso necessário). E essa noção aparece de forma clara nos Parâmetros Curriculares Nacionais, documento de referência para o Ensino Básico no Brasil, apoiado na LDB 9.394/96 e cuja versão definitiva é de 1998.
Quanto aos educadores, as acusações de descompromisso com as situações de ensino, suas deficiências e culpas e a possível má formação profissional passaram por uma reformulação drástica: não que não haja maus professores - mas o educador "deficiente" ou "incompetente" ou "descompromissado" é visto hoje, isto sim, como uma vítima das condições de trabalho que lhe são impostas pelo sistema escolar: é o "burn-out", ou Síndrome da Desistência Profissional (do Educador), uma doença profissional tão bem descrita por Wanderley Codo e seus colaboradores do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília.(1)
Original quanto à abordagem empírica (o estudo de documentos burocráticos de pais e alunos, sobre repetência) e muito bem ancorado metodologicamente, "Um Gosto Amargo de Escola" focaliza de modo competente as áreas de currículo, ensino-aprendizagem, organização da escola e o fracasso escolar.
Constitui-se em excelente material de estudo e reflexão sobre as condições de trabalho e ensino na escola pública.
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SCHMIDT, SARAÍ
A educação em tempos de globalização
“A educação em tempos de globalização” é o título do livro organizado pela jornalista Saraí Schmidt (mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Currículo, Cultura e Sociedade). Lançado pela DP&A Editora, reúne temas como política cultural, autoestima e poder, regulação social e disciplina, preconceito racial, currículo, repetência, sexualidade, gênero, corpo, cinema, novas tecnologias, magistério, alfabetismo, mídia, oralidade, literatura, meio ambiente… todos publicados no suplemento “NH na Escola”. A primeira coletânea tem vinte e sete artigos : “Política cultural na escola- que fazer na segunda-feira”? de Marisa Vorraber Costa, “ As faces da relação entre preconceito racial e educação: muito além dos jardins”de Regina Marques Parente, “ Pluralismo X norma ideal” de Carlos Skliar , “ Sou repetente. E agora? de Marisa Vorraber Costa, “ Inclusão ou exclusão?” de Saraí Schmidt, que é um artigo no qual a organizadora entrevista dois pesquisadores sobre o tema citado, porém com dois enfoques diferentes, “ Pedagogia e autoajuda: o que sua autoestima tem a ver com o poder?” de Tomaz Tadeu da Silva, “ Regulação Social e disciplina” de Alfredo Veiga-Neto, “ “ Alguns dilemas deste final de século: educar e/ou cuidar?” de Marisa Isabel Bujes, “ Uma agenda para debate sobre mídia e educação” de Rosa Maria Bueno Fischer, “ Sem preconceitos: por uma gramática audiovisual” de Sérgio Capparelli, “ De olho na mídia” de Saraí Schmidt, “ Relações de gênero na mídia” de Ruth Sabat, “ Capricho com o corpo: constituindo e regulando saberes na escola” de Maria Henriqueta Kruse, “ E o corpo ainda é pouco…” de Luis Henrique Sacchi dos Santos, “ Educação – um histórico desse espaço” de Angela Tereza Sperb, “ Não resta dúvida, a escola vive em outro tempo e espaço” de Elí Henn Fabris, “ No ensino fundamental, um espaço para filosofia” de Ernest Sarlet, “ O aluno como empresário de si” de Madalena Klein, “ Novas tecnologias: que mundo produzimos?” de Luís Henrique Sommer, “ O analfabetismo como metáfora” de Norma Regina Marzola, “ Oralidade: merece ser um saber escolar?” de Rosa Maria Hessel Silveira, “ Da inexistência de um discurso unitário para falar da natureza” de Maria Lúcia Wortmann, “ Uma grande certeza: quantas incertezas temos” de Attico Chassot, “ No contexto histórico, algumas discussões sobre comunidade e meio ambiente” de Maria Cecília Braun, “ Desencontros e esquecimentos” de Lúcio Kreutz, “ Educação rural: nos silêncios do currículo” de Gelsa Knijnik..
Estes artigos abordam os diversos usos do jornal impresso em educação, sua importância e contribuição para todos os graus de ensinos. A informação na educação escolar: o uso de jornais na sala de aula – analise do projeto nh na escola e um estudo de caso onde destacamos e analisamos este projeto que está inserido no projeto educação pela Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Este projeto tem os alunos e professores do primeiro e terceiro graus das redes: particular, municipal e estadual de ensino, que utilizam o jornal, como instrumento didático, o seu publico alvo.
Na apresentação, a organizadora assinala que “aliados às promessas de igualdade da globalização, uma discussão sobre as relações entre mídia e educação parece configurar-se como um tema importante para todos”. Informa que o livro expressa “um configurar-se como um tema importante para todos”. “Informa que o livro expressa “possível e produtivo” debate entre a mídia jornalística, a universidade, a escola fundamental e os leitores”. Acrescenta ainda que a coletânea é a “materialização do encontro da universidade com a escola básica, redimensionando a noção do saber acadêmico como algo que possa ultrapassar as paredes da universidade e ocupar também as páginas de um jornal”.
Uma nova interpretação da realidade engloba velhas e novas ideias. Nas sociedades complexas, a organização da informação é vital para se lidar com dados e conhecimentos abundantes e de grande poder como recurso. Pode estar aqui o papel da Universidade para reunir, organizar, divulgar e multiplicar conhecimento em sua tríplice função de ensino, pesquisa e extensão.
A Universidade pode se relacionar pela comunicação com a comunidade em que está inserida. Deve ajudar a construir e sedimentar uma identidade institucional mais voltada para a prestação de serviços em uma sociedade com características em mudança em um mundo globalizado e interligado pelos meios de comunicação.
O valor de um objeto não é seu valor intrínseco, mas é o valor que lhe é atribuído. A sobrevivência de bens culturais, além de depender de seu valor intrínseco, depende também da importância que se lhe atribuí, de sua utilidade para aquele a quem se destina, bem como de seu valor para o desenvolvimento da sociedade.
Há um novo modo de vida que está mudando as paisagens culturais de classe, emprego, gênero, sexualidade, família, etnia, raça e nacionalidade. Mudanças contínuas, rápidas e abrangentes podem levar a uma forma altamente reflexiva de vida onde as práticas sociais são reforçadas ou modificadas à luz das informações e das experiências.
Estamos envolvidos com um estudo de jornais, estamos lidando com um aparato da mídia que pratica certa pedagogia. Praticando esta pedagogia, a mídia está educando as pessoas segundo as concepções e ideias que o seu corpo jornalístico e a sua política editorial tomam como verdadeiras, certas e adequadas. Assim, os artefatos da cultura, como a televisão ou os jornais, praticam pedagogias, nos ensinam coisas, nos contam histórias, nos dizem como as coisas são, como as coisas não são, como as coisas devem ser. Qual concepção de educação a mídia está produzindo, como opera nesta direção e como as fotografias estão implicadas neste processo?
Aprendendo as lições da mídia e mostrando como as fotografias operam para fabricar aquilo que os jornais ensinam sobre a educação. Observamos nos jornais uma confluência de concepções que vêm sendo abordadas pela grande imprensa brasileira. As documentações jornalísticas, utilizando intensamente fotografias, estão mostrando os altos índices de crianças sem escola e apresentando a marginalização destas crianças como consequência da falta de oportunidades que “somente” o estudo poderia oferecer. Os jornais inundam suas páginas com fotos de escolas em estado de precariedade o que exigiria que o governo se ocupasse cada vez mais em investir seus sempre escassos recursos na área da educação. Ao mesmo tempo, grandes organizações divulgam campanhas, oferecendo saídas mágicas pelo caminho da educação, como alternativa central e inquestionável para os problemas sociais do país. Uma das expectativas fortalecidas e disseminadas pela mídia é que a partir de um “bom” e eficiente projeto de educação encontraremos o caminho para a conquista de uma sociedade mais desenvolvida.
Cotidianamente os jornais apresentam uma série de reportagens sobre diferentes experiências “pedagógicas” que vislumbram o desenvolvimento pela preparação dos estudantes para os novos desafios da sociedade. Quando analisamos os jornais como uma sala de aula, talvez possamos compreender a mídia como construtora e disseminadora de um currículo cultural que nos conforma, nos subjetiva, nos interpela. Este currículo diz o que é certo e o que é errado quando somos seduzidos pelas imagens coloridas divulgadas em anúncios publicitários, prescrevendo a “verdadeira” maneira de ser mulher e de ser homem; quando vemos publicadas nos jornais fotografias de crianças “pobres” da rede pública utilizando um computador e ratificando a ideia da tecnologia da informática como caminho para a salvação da escola; quando uma pessoa sendo alfabetizada aos 90 anos de idade nos emociona e nos faz pensar acerca da importância do nosso esforço individual na busca de nossas conquistas.
Talvez possamos pensar que ao olharmos os jornais, estamos todos os dias vivenciando um currículo que nos ensina coisas sobre o mundo e sobre nós mesmos, o lugar que ocupamos ou aquele que deveríamos desejar ocupar ou, ainda, o lugar que deve ser ocupado por uns e outros neste mundo. Quando se discute o currículo como campo da política cultural, na educação para o governo, seguindo o pensamento de Foucault, podemos identificar dois complexos tecnológicos: tecnologias de dominação, que pretendem conhecer o indivíduo para governá-los (controle externo), e as tecnologias do eu, nas quais a prática do autoconhecimento habilita a governar-se (autocontrole). Quando uma narrativa do currículo fala sobre algo ou alguém, ela também dispõe sobre esse objeto e sobre a sua disposição adequada: ela nomeia, enquadra, regula, coordena.
CRITICA
A contribuição deste trabalho está, no exercício de tentar desenvolver uma pedagogia crítica, na busca de um olhar ativo para a mídia que nos invade. Mas não no sentido de desenvolver técnicas de leitura estética para analisar as imagens que são publicadas no jornal. É preciso estar atento para a complexa rede de relações e representações que as fotografias publicadas na mídia carregam. A partir daí, talvez seja possível iniciar os contornos de uma discussão sobre como estas imagens produzidas pela mídia operam na produção de representações sobre educação e na constituição de nossas identidades como estudantes, professores e professoras.
Fala-se muito em trabalhar a realidade dos alunos, porém, o que se vê nas salas de aula é um projeto puramente teórico, longe do contexto da criança, transportando-a para um mundo desconhecido e descaracterizando-a de seu mundo real. Deixando lacunas em seu aprendizado, enfatizando a cultura urbana, esquecendo seu mundo rural.
Portanto, o de que se precisa na educação é de pessoas conscientes, capazes de trabalhar no cotidiano escolar não só com parâmetros fornecidos pelas secretarias, mas que juntem teoria e prática e, assim, formem sujeitos críticos, reflexivos, capazes de lutar para a construção de uma democracia que reconheça seus direitos, valores, respeitando a realidade de cada um.
Donald Schön
Reflexões sobre o professor reflexivo com base em Schon
Schon (2000) fala da dificuldade que temos em nos expressar para falarmos de como executamos atividades complexas tais como caminhar, andar de bicicleta, entre outras. Para o autor, a execução, ou seja, a ação, é mais simples do que expressar sobre como ela é realizada.
O tipo de conhecimento que conseguimos relevar em nossas ações inteligentes é o conhecimento-na-ação. (SCHON, 2000). Como trata-se de uma espécie de performance daquilo que somos capazes de fazer, por este motivo é difícil verbalizar. Conhecer, portanto, sugere conhecer-na-ação e quando verbalizamos estamos convertendo em conhecimento-na-ação.
Quando executamos uma ação, certamente surgem elementos surpresa, diferentes do que se é esperado em qualquer ação e, neste caso, estamos diante de uma possibilidade de poder refletir sobre a ação, que é pensar sobre o que estamos fazendo. Schon (2000) cita um exemplo próprio de quando teve de construir um portão de estacas de madeira e correia, quando foi obrigado a lidar com o inesperado, de forma que foi obrigado a pensar sobre a ação, intuir e resolver a tarefa. Para ele, o que distingue essa reflexão-na-ação é o fato de que ela tem uma significação imediata para a ação.
No caso do conhecimento da prática profissional, Donald Schon se refere a John Dewey para significá-la como um conjunto de conhecimentos compartilhados por uma comunidade de profissionais e afirma que as práticas estão institucionalmente padronizadas. Mesmo assim, na ação, surge o elemento surpresa e é preciso então que o profissional seja capaz de refletir-na-ação para tomar uma posição.
No caso da docência, Schon (1992) coloca como questões principais para o debate sobre a prática profissional os seguintes aspectos: competências que os professores deveriam ajudar aos alunos a desenvolver; tipos de conhecimentos que levam os professores a desempenharem seus papéis com eficácia e tipo de formação que os professores deveriam ter para desempenho da docência.
Schon (1992) aponta que é importante formar um professor reflexivo, que dê conta de lidar com confusão e incerteza que surgem na sua ação, tanto por parte dos alunos quanto do próprio professor, pois é impossível aprender sem ficar confuso. A formação pedagógica deve levar em conta, portanto, uma formação de professor que tenha um practicum reflexivo.
SILVA, Janssen Felipe da; HOFFMANN, Jussara; ESTEBAN, Maria Teresa (Orgs.).
Práticas avaliativas e aprendizagens significativas - Em diferentes áreas do currículo
A realidade da sala de aula, na relação entre professor e aluno no mundo moderno, é marcada por constantes mudanças. São mudanças impulsionadas pelo acesso à internet e as novas tecnologias, a pluralidade cultural, os novos comportamentos, a política, a ética científica e etc. Tudo isto é movido pela modernidade que proporciona a construção do sujeito crítico na formação de um aluno questionador que reconstrói caminhos sob a orientação do professor.
A discussão da avaliação em torno das áreas específicas do conhecimento e da pedagogia de projetos, fundamentando tais reflexões no caráter formativo, democratizador e ético do processo avaliativo, proporcionou uma série de programas sobre avaliação e aprendizagem significativas realizados pela TV Escola. Devido a grande repercussão da série surgiu a ideia da publicação deste livro que tem o objetivo de tornar sua leitura mais acessível aos educadores do país, ampliando a discussão que os programas suscitaram. A TV escola é sintonizado através de sinal fechado em parabólica no canal 12. Cada programa da série reuniu um grupo de estudiosos que debateu várias temáticas curriculares referentes a avaliação da aprendizagem e sua contextualização.
O livro “Práticas avaliativas e Aprendizagens Significativas em Diferentes Áreas do Currículo” é composto por oito capítulos, originados dos oito programas da série, onde cada estudioso expôs seu ponto de vista sobre um determinado assunto da sua área específica de atuação. A característica desta obra é a de ter uma temática voltada para os profissionais e estudantes da área de educação.
O primeiro capítulo do livro, que tem como título “As intencionalidades da avaliação em língua portuguesa”, apresenta as mudanças que ocorreram nas propostas pedagógicas das redes públicas de ensino nas três ultimas décadas. Segundo Telma Ferraz Leal o eixo estruturador do ensino da língua deve ser a ação social que ocorre através das atividades de leitura e da produção de diferentes gêneros textuais. A professora enfatiza pontos interessantes neste capítulo inicial como: a necessidade da escola ter um compromisso real com a vida diária; a necessidade de se passar um conteúdo antes de cobrá-lo e o objetivo da avaliação e outros aspectos ligados a atuação do docente em sala de aula. Em suma a autora afirma que a avaliação não é um mero complemento do processo, ela é parte integrante e permanente de nossa ação pedagógica diária e precisa ser passada como instrumento de redimensionamento dessa prática.
O segundo capítulo nos é apresentado através da seguinte pergunta: De que avaliação precisamos em artes e educação física? A “Cultura da Avaliação” tão presente nos processos educacionais, que muitas vezes tem contribuído para a manutenção de uma avaliação escolar certificativa, classificatória, perdendo cada vez mais sentido no pedagógico, é uma realidade presente nas salas de aula. Suzana Maria Barrios Luís afirma que a importância central da avaliação está em ser capaz de medir a prática educativa, quaisquer que sejam os procedimentos utilizados pelo professor, pelo aluno e pela escola, para avaliar os processos de ensino e de aprendizagem. Estes processos podem ser norteados através de três pontos: primeiro por uma grande confiança na necessidade humana de conhecer; segundo uma grande generosidade para, apesar de, e considerando todos os parâmetros já preestabelecidos, debruçar-se com olhar atento e desarmado sobre o que cada aluno faz e terceiro por uma grande coragem para recomeçar sempre, mesmo que a avaliação não tenha nos dado tantas certezas como queríamos, e sim as possíveis.
Avaliação e aprendizagens são termos que assumem múltiplas dimensões, isto porque estão atreladas a diferentes concepções. O terceiro capítulo analisa as realidades presentes no ensino de três matérias: ciências, geografia e história. Para Jussara Hoffman avaliação e aprendizagens são termos que assumem múltiplas dimensões, isto porque estão atreladas a diferentes concepções. Um ponto interessante deste capítulo é quando a autora chama atenção sobre um questionamento, é justamente com relação a complexidade da própria avaliação da aprendizagem que deve-se levar em conta, igualmente, as múltiplas dimensões do ensino nas diferentes áreas do conhecimento. O enfoque deste capítulo é sobre o olhar do professor através de relatos sobre práticas pedagógicas desenvolvidas na área de ciências em sala de aula do ensino fundamental. Foi possível observar que os cenários educativos se constituem a partir de diferentes concepções de aprendizagem e de diferentes abordagens dos temas de
estudo, além disso, a autora faz um alerta sobre o perigo de uma avaliação centrada em currículos e concepções afastadas do contexto atual, a partir de recursos e matérias didáticos ultrapassados.
O preconceito existente com o termo avaliar foi analisado no quarto capítulo “Planejamento e Avaliação em Matemática”, nele Verônica Gitirana define este tema como o de maior complexidade. O termo avaliar sempre causou e ainda causa um grande temor, esta realidade se dá muitas vezes pelo fato do termo ter sido usado no sentido de medir resultado avançados, outras vezes pelo pelos usos discriminados e punitivos que são feitos com tais resultados. A autora desenvolve um olhar sobre as dificuldades de entendimento do ensino de matemática.
Outro ponto importante do capítulo é com relação a uma proposta de mapeamento do desenvolvimento, onde é enfatizado que a explicitação dos objetivos de ensino pelo professor pode permitir-lhe traçar um mapeamento do desenvolvimento do aluno, o que ajuda o professor a sistematizar a avaliação do processo de aprendizagem do aluno e também do resultado alcançado.
O “Trabalho com Projetos e a Avaliação na Educação Básica” são os temas do quinto capítulo. O que significa o termo projeto para alunos da educação básica? O que significa este mesmo assunto para alunos de Mestrado? A autora Menga Ludke fala sobre uma ligação que surgiu a partir de sua participação no programa Salto para o Futuro da TV Escola. Para que o leitor mergulhe no universo da análise Ludke elenca algumas características básicas dos projetos na educação básica, que segundo ela são necessários como: a ruptura com esquema tradicional de ensino de disciplinas; a possibilidade de reunir o que foi aprendido pelo aluno e o que pode vir a ser aprendido vários campos do conhecimento e a participação ativa e dinâmica. Para Ludke os projetos parecem representar importantes meios para aproximar o trabalho na educação básica de uma visão mais voltada para as necessidades de aprendizagem percebidas pelos nossos professores. Avaliar tem-se confundido com a possibilidade de medir a quantidade de conhecimentos adquiridos pelos alunos considerando de o que foi ensinado pelo professor.
O sexto capítulo trata da “Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar”. Maria Teresa, num texto escrito de forma solta, sem o uso de citações de pensadores, ressalta a importância da pedagogia de projetos, que estimula a introdução de atividades mais dinâmicas na relação ensino-aprendizagem. Alguns aspectos do capítulo merecem destaque tais como o que diz respeito ao professor, que como referência não é o movimento do estudante, mas os objetivos do ensino, de modo que ao longo da vida escolar os alunos vão aprendendo ser mais importante mostrar os resultados esperados do que expor seu real processo de aprendizagem. Mais a frente autora lança um olhar sobre a avaliação classificatória, uma crítica alicerçada na afirmação de que ela está se constituindo na lógica excludente dominante em nossa sociedade.
O sétimo capítulo traz um texto de Cláudia de Oliveira Fernandes produzido a partir de diálogos estabelecidos com professores. O tema “Avaliação Escolar: diálogo com professores” traz muitas afirmações como a que diz respeito a uma mudança na avaliação. Segundo a autora uma mudança no processo de aprendizagem exige uma concepção de aluno como um ser crítico, participativo, com autonomia e capacidade de tomar decisões. Fernandes cita uma modalidade de avaliação, a formativa, que refere-se a um processo de avaliação que sirva para o aluno aprender. É um texto bastante intimista, isto por ter como base uma conversa entre decentes, parecida com aquelas regadas a um cafezinho na sala dos professores. O “Desafio da Ética na Avaliação” é o enfoque do último capítulo do livro e nele Jussara Margareth Paula Loch inicia suas análises fazendo duas perguntas, são elas: como se manifesta a ética na educação? E é possível perceber essa intencionalidade nos praticas pedagógicas? Ao entendermos a educação como formação do humano como um acontecimento ético, supomos uma concepção da tarefa pedagógica e, portanto da avaliação como radical novidade. Para nós, futuros professores, as respostas para estas perguntas servem de reflexão, são análises pertinentes com relação ao papel do professor, aprendizagem contínua, o autoconhecimento do professor e o processo de avaliação como a construção de cada um e do coletivo. Finalizando seu pensamento e por consequência também o livro, Loch tece uma crítica bastante pertinente com relação à cultura de avaliação no Brasil, para ela mudaram-se as formas de se avaliar o aluno através de testes, provas, provões, mas são mudanças apenas periféricas e não radicais, seria um agir fabricada e manipulador, e o que observamos é um sistema avaliativo que na verdade busca a quantidade e não a qualidade do ensino no Brasil.
Existe uma sintonia de pensamento com relação às análises dos autores em todos os capítulos do livro, o que proporciona um equilíbrio na disposição das análises, apesar das abordagens de cada autor terem sido foram feitas de forma diferente, com um olhar particular, isto devido à especialidade de cada área. Percebemos também que todas as mudanças na prática pedagógica são movidas pelas mudanças na sociedade contemporânea que refletem na prática pedagógica aplicada em sala de aula. A partir da leitura de textos originais, concisos e objetivos, contidos nesta obra, adquirimos novos conhecimentos com relação às práticas avaliativas e aprendizagens em diferentes áreas do currículo.
A contribuição dos autores é muito importante para a comunidade acadêmica de todas as áreas de licenciatura, e também da pedagogia, que abrangem os ensinos médio e fundamental, pois através deste livro observamos como a prática pedagógica precisa ser dinâmica, devido as mudanças na relação entre professor e aluno, movidas pela modernidade que atinge o homem vivendo em sociedade que se refletem no “fazer” educação.
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SILVA, Tomaz Tadeu (org)
Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais.
DADOS BIBLIOGRÁFICOS
O livro “Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, foi escrito por três autores. Dentre estes, uma autora, Kathryn Woodward que escreveu o I capítulo e dois autores, sendo que o II capítulo escrito por Tomaz Tadeu da Silva (o organizador da obra) e o III capítulo por Stuart Hall.
A obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, além dos três capítulos traz tão-somente algumas notas e as referencias bibliográficas. Um texto simples, mas de grande relevância para os estudos sobre questões de identidade nos nossos dias.
IDENTIDADE E DIFERENÇA: UMA INTRODUÇÃO TEORICA E CONCEITUAL
Kathryn Woodward ao introduzir o seu capítulo, começa por contar uma história que aconteceu na Iugoslávia a quando da guerra entre sérvios e croatas. Onde em meio a um dos embates um estrangeiro indagou a alguns soldados sérvios dizendo “estou tentando entender porque vizinhos começam a se matar uns aos outros. „O que faz vocês pensarem que são diferentes‟? (...) respondeu o homem sérvio: „vocês estrangeiros não entendem nada; (...) Olha a coisa é assim. Aqueles croatas pensam que são melhores que nós. Eles pensam que são europeus finos e tudo mais. Vou lhe dizer uma coisa. Somos todos lixo do Balcãs‟” (p. 7-8).
Com este exemplo a autora diz que “esta história mostra que a identidade é relacional. A identidade sérvia depende, para existir, de algo fora dela: a saber, de outra identidade (croácia), de uma identidade que ela não é, que difere da identidade sérvia, mas que, entretanto, forneça as condições para que ela exista. A identidade sérvia se distingue por aquilo que ela não é. Ser um sérvio é ser um “não-croata‟. A identidade é, assim, marcada pela diferença” (p.9).
Esta identidade marcada pela diferença tem símbolos concretos que ajudam a identificar nas relações sociais quem é, por exemplo, mulher e quem não é. Assim a construção da identidade é tanto simbólica quanto social e a luta para afirmar uma ou outra identidade ou as diferenças que os cercam tem causas e consequências materiais.
Por exemplo, “os homens tendem a posições-de-sujeito para as mulheres tomando a si próprios como ponto de referencia, sendo assim as mulheres são as significantes de uma identidade masculina partilhada. A identidade é marcada pela diferença, mas parece que algumas diferenças – neste caso entre grupos étnicos – são vistas como mais importantes que outras, especialmente em lugares particulares e em momentos particulares” (p.10-11).
Mas para que a discussão em torno do tema seja melhor aprofundada há que se ter em conta os alguns preceitos como conceitualizações que ajudem a compreender o funcionamento tanta das identidades quanto das diferenças e se estas são fixas e imutáveis. A análise de questões sociais e materiais, sociais e simbólicas, sistemas classificatórios, a obscuridade que pode existir na definição de uma ou outra identidade ou diferença e a discrepância que pode existir dentro delas mesma e se ao se assumir uma identidade automaticamente há de fato uma identificação.
O conceito de identidade é importante para examinar a forma como a identidade se insere no “círculo da cultura” bem como a forma como a identidade e a diferença se relacionam com o discurso sobre a representação (p.16).
Quanto à existência da crise de identidade deve-se a fatores como: a globalização que dá origem a migração dos trabalhadores, sendo a migração um processo característico da desigualdade em termos de desenvolvimento. Neste sentido, o conceito de diáspora ajuda a entender algumas destas identidades sem pátria; a falta de historias; as mudanças sociais e os novos movimentos sociais e políticos.
Portanto a diferença é marcada em relação à identidade através de sistemas classificatórios que fabricam sistemas simbólicos por meio de exclusão. Por isso, tanto as diferenças quanto as identidades são construídas e não dadas e acabadas. Mas apesar deste fator, investimos nas identidades porque elas nos ajudam a termos uma compreensão sobre o nosso eu, a nossa subjetividade que envolve a psique humana.
A PRODUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE E DA DIFERENÇA
Dentro da produção social, a identidade parece ser uma positividade (aquilo que sou) uma característica independente, um fato autônomo. Nessa percepção ela só tem uma referencia a si própria: ela é auto contida e auto-suficiente. Na mesma linha a diferença é aquilo que o outro é. Da mesma forma que a identidade, a diferença é, desta forma, concebida como auto-referenciada (p. 74). Mas ambas as afirmações, só fazem sentido se compreendidas uma em relação à outra. Sendo assim, como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Sendo ambas inseparáveis.
Mas o autor alerta para não nos esquecermos de que tanto a identidade quanto a diferença são criaturas da linguagem e, por isso, criadas cultural e socialmente o que os torna maleáveis e marcadas pela indeterminação e instabilidade por causa do próprio caráter vacilante da linguagem.
Mas apesar disso, elas ainda, carregam o poder de definir. “Elas não só são definidas como também impostas, elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas. A identidade e diferença estão, pois, em estreita conexão com a relação de poder: o poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes” (p.81).
Contudo, embora a identidade tenda a fixação, este processo oscila entre o processo que tende a fixá-la e estabilizá-la e o processo que tende a subvertê-la e desestabilizá-la, tornando-a cada vez mais complicada. Por isso, a identidade e a diferença têm que ser representadas, pois somente a partir da representação estes adquirem sentido: “é também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam ao sistema de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar identidade. É por isso que a representação ocupa um lugar tão central na teorização contemporânea sobre a identidade e nos movimentos sociais ligados à identidade” (p. 91). 117
QUEM PRECISA DA IDENTIDADE?
Para a autora existem duas formas de responder esta questão. A primeira consiste em observar a existência de algo que distingue a crítica desconstrutiva a qual muitos destes conceitos essencialistas têm sido submetidos. Diferentemente daquelas formas de críticas que objetivam superar conceitos inadequados, substituindo-os por conceitos „mais verdadeiros‟ ou que aspiram a produção de um conhecimento positivo, a perspectiva desconstrutiva coloca certos conceitos-chaves „sob rasura‟. A segunda maneira de responder exige que observemos onde e em relação a qual conjunto de problemas emergem a irredutibilidade do conceito de identidade. A resposta, neste caso, está em sua centralidade para a questão da agência e da política (p. 103-104).
Resumindo e concluindo consideramos importante a leitura desta obra pelo fato dela trazer de forma simples e densa a discussão em torno da identidade e da diferença, temas tão atuais e importantes em nossos contextos. Os autores trazem um conteúdo denso e profundo, porém a leitura é agradável, pois não são fastidiosos em suas colocações.
Não podemos deixar de considerar que sentimos falta de uma conclusão que pudesse nos pontuar antes o que de concreto a obra aborda assim como as motivações dos autores e da autora que os levou a problematizarem um tema tão complexo, embora necessário e atual. Outro sim, sentimos ainda a ausência de uma conclusão que teria o objetivo de unir os capítulos, fazendo um fechamento dos temas abordados, para não nos dar a impressão de uma revista, não temática, onde os temas abordados são independentes uns dos outros.
SILVA, Thomaz Tadeu da (Org.).
Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação
Os autores discutem aspectos da sua pesquisa sobre a relação entre a experiência estudantil e a cultura da informação, com referência específica à escolarização pós-compulsória1 e a política de retenção escolar na Austrália. Dois, são os focos de partida da discussão: a tese de que está emergindo uma nova geração, com constituição radicalmente diferente, e a questão provocativa – existem alienígenas em nossas salas de aula?
A pesquisa em foco tem como questão norteadora: Estão as escolas lidando com estudantes que são fundamentalmente diferentes dos/as de épocas anteriores? Tendo como questão subordinada: Têm as escolas e as autoridades educacionais desenvolvido currículos baseados em pressupostos essencialmente inadequados e mesmo obsoletos sobre a natureza dos/as estudantes?
Os autores estão preocupados com a emergência do que os mesmos chamam de “sujeito-estudante pós-moderno” pontuando interesse na busca em desenvolver uma melhor compreensão de um fenômeno contemporâneo: “a emergência de um novo tipo de estudante, com novas necessidades e novas capacidades”.
Para Green & Bigum (1998) a construção social e discursiva da juventude está limitada à experiência da escolarização, sendo marginalizadas questões importantes relacionadas à contextualização do jovem numa sociedade pós-moderna. Dentre as questões, estão: os meios de comunicação de massa, o rock e a cultura da droga.
Os autores exploram o conceito de “currículo cyborg”, em sua pesquisa, no qual o foco está na ruptura estabelecida na sala de aula pelos atores sociais ali circulantes – alunos e professores. Nesta perspectiva, enfatiza, a relação eu/outro, considerando o novo tipo de juventude – como conviver com esses alienígenas
A juventude era, antes, vista como algo do qual, ao final, a pessoa acabava se livrando, como um estágio temporário no movimento em direção à normalidade, a ser superado na totalidade, na completude da fase adulta. Essa passagem ordeira tornou-se agora carregada de uma incerteza arbitraria. Cada vez mais alienados/a, no sentido clássico, os/as jovens são também cada vez mais alienígenas, cada vez mais vistos como diferentemente motivados/as, desenhados/as e construídos/as. E, dessa forma, se põe a horrível e insistente possibilidade: eles/as estão não estão apenas nos visitando, indo embora, em seguida. Eles/as estão aqui para ficar e estão assumindo o comando (p. 212).
Para Green & Bigum, com a insurgência de uma interface entre a cultura juvenil e as novas tecnologias do texto, da imagem e do som, coloca-se em perigo os lugares em que diversas gerações mobilizaram-se, com segurança quanto visão do que era juventude. O que os levaram a levantar a seguinte hipótese: um novo tipo de subjetividade humana está se formando – uma “subjetividade pós-moderna”.
Em sua pesquisa, esses autores, focalizam a fase de escolarização de jovens entre 16/17 anos à medida entram ou saem da escola. Dão relevância ao papel da cultura da mídia nos mundos vitais desses/as jovens e a relação entre essa cultura e sua escolarização.
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Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos
Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de sucessivas mudanças conceituais e, consequentemente, metodológicas. Atualmente, parece que de novo estamos enfrentando um desses momentos de mudança – é o que prenuncia o questionamento a que vêm sendo submetidos os quadros conceituais e as práticas deles decorrentes que prevaleceram na área da alfabetização nas últimas três décadas: pesquisas que têm identificado problemas nos processos e resultados da alfabetização de crianças no contexto escolar, insatisfações e inseguranças entre alfabetizadores, perplexidade do poder público e da população diante da persistência do fracasso da escola em alfabetizar, evidenciada por avaliações nacionais e estaduais, vêm provocando críticas e motivando propostas de reexame das teorias e práticas atuais de alfabetização. Um momento como este é, sem dúvida, desafiador, porque estimula a revisão dos caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos, mas é também ameaçador, porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propostas de solução que representem desvios para indesejáveis descaminhos. Este artigo pretende discutir esses caminhos e descaminhos, de que se falará mais explicitamente no tópico final; a esse tópico final se chegará por dois outros que o fundamentam e justificam: um primeiro que busca esclarecer e relacionar os conceitos de alfabetização e letramento, e um segundo que pretende encontrar, nas relações entre esses dois processos, explicações para os caminhos e descaminhos que vimos percorrendo, nas últimas décadas, na área da alfabetização.
Alfabetização, letramento: conceitos
Letramento é palavra e conceito recentes, introduzidos na linguagem da educação e das ciências linguísticas há pouco mais de duas décadas. Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização. Esses comportamentos e práticas sociais de leitura e de escrita foram adquirindo visibilidade e importância à medida que a vida social e as atividades profissionais tornaram-se cada vez mais centradas na e dependentes da língua escrita, revelando a insuficiência de apenas alfabetizar – no sentido tradicional – a criança ou o adulto. Em um primeiro momento, essa visibilidade traduziu-se ou em uma adjetivação da palavra alfabetização – alfabetização funcional tornou-se expressão bastante difundida – ou em tentativas de ampliação do significado de alfabetização/alfabetizar por meio de afirmações como “alfabetização não é apenas aprender a ler e escrever”, “alfabetizar é muito mais que apenas ensinar a codificar e decodificar”, e outras semelhantes. A insuficiência desses recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendizagem que efetivamente ampliassem o significado de alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, é que pode justificar o surgimento da palavra letramento, consequência da necessidade de destacar e claramente configurar, nomeando-os, comportamentos e práticas de uso do sistema de escrita, em situações sociais em que a leitura e/ ou a escrita estejam envolvidas. Entretanto, provavelmente devido ao fato de o conceito de letramento ter sua origem em uma ampliação do conceito de alfabetização, esses dois processos têm sido frequentemente confundidos e até mesmo fundidos. Pode-se admitir que, no plano conceitual, talvez a distinção entre alfabetização e letramento não fosse necessária, bastando que se ressignificasse o conceito de alfabetização (como sugeriu Emilia Ferreiro em recente entrevista concedida à revista Nova Escola, n. 162, maio 2003); no plano pedagógico, porém, a distinção torna-se conveniente, embora também seja imperativamente conveniente que, ainda que distintos, os dois processos sejam reconhecidos como indissociáveis e interdependentes.
Assim, por um lado, é necessário reconhecer que alfabetização – entendida como a aquisição do sistema convencional de escrita – distingue-se de letramento – entendido como o desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais: distinguem-se tanto em relação aos objetos de conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e, portanto, também de ensino desses diferentes objetos. Tal fato explica por que é conveniente a distinção entre os dois processos. Por outro lado, também é necessário reconhecer que, embora distintos, alfabetização e letramento são interdependentes e indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita.
Distinção, mas indissociabilidade e interdependência: quais as consequências disso para a aprendizagem da língua escrita na escola?
Aprendizagem da língua escrita: alfabetização e/ou letramento?
Uma análise das mudanças conceituais e metodológicas ocorridas ao longo da história do ensino da língua escrita no início da escolarização revela que, até os anos 80, o objetivomaior era a alfabetização (tal como acima definida), isto é, enfatizava-se fundamentalmente a aprendizagem do sistema convencional da escrita. Em torno desse objetivo principal, métodos de alfabetização alternaram-se em um movimento pendular: ora a opção pelo princípio da síntese, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades menores da língua – os fonemas, as sílabas – em direção às unidades maiores – a palavra, a frase, o texto (método fônico, método silábico); ora a opção pelo princípio da análise, segundo o qual a alfabetização deve, ao contrário, partir das unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às unidades menores (método da palavração, método da sentenciação, método global). Em ambas as opções, porém, a meta sempre foi a aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico da escrita; embora se possa identificar, na segunda opção, uma preocupação também com o sentido veiculado pelo código, seja no nível do texto (método global), seja no nível da palavra ou da sentença (método da palavração, método da sentenciação), estes – textos, palavras, sentenças – são postos a serviço da aprendizagem do sistema de escrita: palavras são intencionalmente selecionadas para servir à sua decomposição em sílabas e fonemas, sentenças e textos são artificialmente construídos, com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à sua decomposição em palavras, sílabas, fonemas.
Assim, pode-se dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil caracterizou-se por uma alternância entre métodos sintéticos e métodos analíticos, mas sempre com o mesmo pressuposto – o de que a criança, para aprender o sistema de escrita, dependeria de estímulos externos cuidadosamente selecionados ou artificialmente construídos – e sempre com o mesmo objetivo – o domínio desse sistema, considerado condição e pré-requisito para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da leitura e da escrita, isto é, primeiro, aprender a ler e a escrever, verbos nesta etapa considerados intransitivos, para só depois de vencida essa etapa atribuir complementos a esses verbos: ler textos, livros, escrever histórias, cartas, etc.
Nos anos 80, a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita, divulgada entre nós, sobretudo pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro, sob a denominação de “construtivismo”, trouxe uma significativa mudança de pressupostos e objetivos na área da alfabetização, porque alterou fundamentalmente a concepção do processo de aprendizagem e apagou a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita. Essa mudança paradigmática permitiu identificar e explicar o processo através do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos, ou seja, o processo através do qual a criança torna-se alfabética; por outro lado, e como consequência disso, sugeriu as condições em que mais adequadamente se desenvolve esse processo, revelando o papel fundamental de uma interação intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e escrita a fim de que ocorra o processo de conceitualização da língua escrita.
No entanto, o foco no processo de conceitualização da língua escrita pela criança e a ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para provocar e motivar esse processo têm subestimado, na prática escolar da aprendizagem inicialda língua escrita, o ensino sistemático das relações entre a fala e a escrita, de que se ocupa a alfabetização, tal como anteriormente definida. Como consequência de o construtivismo ter evidenciado processos espontâneos de compreensão da escrita pela criança, ter condenado os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito do sistema de escrita e, sendo fundamentalmente uma teoria psicológica, e não pedagógica, não ter proposto uma metodologia de ensino, os professores foram levados a supor que, apesar de sua natureza convencional e com frequência arbitrária, as relações entre a fala e a escrita seriam construídas pela criança de forma incidental e assistemática, como decorrência natural de sua interação com inúmeras e variadas práticas de leitura e de escrita, ou seja, através de atividades de letramento, prevalecendo, pois, estas sobre as atividades de alfabetização. É, sobretudo essa ausência de ensino direto, explícito e sistemático da transferência da cadeia sonora da fala para a forma gráfica da escrita que tem motivado as críticas que atualmente vêm sendo feitas ao construtivismo. Além disso, é ela que explica por que vêm surgindo, surpreendentemente, propostas de retorno a um método fônico como solução para os problemas que estamos enfrentando na aprendizagem inicial da língua escrita pelas crianças.
Cabe salientar, porém, que não é retornando a um passado já superado e negando avanços teóricos incontestáveis que esses problemas serão esclarecidos e resolvidos. Por outro lado, ignorar ou recusar a crítica aos atuais pressupostos teóricos e a insuficiência das práticas que deles têm decorrido resultará certamente em mantê-los inalterados e persistentes. Em outras palavras: o momento é de procurar caminhos e recusar descaminhos.
Caminhos e descaminhos
A aprendizagem da língua escrita tem sido objeto de pesquisa e estudo de várias ciências nas últimas décadas, cada uma delas privilegiando uma das facetas dessa aprendizagem. Para citar as mais salientes: a faceta fônica, que envolve o desenvolvimento da consciência fonológica, imprescindível para que a criança tome consciência da fala como um sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons, e a aprendizagem das relações fonema-grafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita; a faceta da leitura fluente, que exige o reconhecimento holístico de palavras e sentenças; a faceta da leitura compreensiva, que supõe ampliação de vocabulário e desenvolvimento de habilidades como interpretação, avaliação, inferência, entre outras; a faceta da identificação e do uso adequado das diferentes funções da escrita, dos diferentes portadores de texto, dos diferentes tipos e gêneros de texto, etc. Cada uma dessas facetas é fundamentada por teorias de aprendizagem, princípios fonéticos e fonológicos, princípios linguísticos, psicolinguísticos e sociolinguísticos, teorias da leitura, teorias da produção textual, teorias do texto e do discurso, entre outras. Consequentemente, cada uma dessas facetas exige metodologia de ensino específica, de acordo com sua natureza, algumas dessas metodologias caracterizadas por ensino direto e explícito, como é o caso da faceta para a qual se volta a alfabetização, outras caracterizadas por ensino muitas vezes incidental e indireto, porque dependente das possibilidades e motivações das crianças, bem cômodas circunstâncias e do contexto em que se realize a aprendizagem, como é caso das facetas que se caracterizam como de letramento.
A tendência, porém, tem sido privilegiar na aprendizagem inicial da língua escrita apenas uma de suas várias facetas e, por conseguinte, apenas uma metodologia: assim fazem os métodos hoje considerados como “tradicionais”, que, como já foi dito, voltam-se predominantemente para a faceta fônica, isto é, para o ensino e a aprendizagem do sistema de escrita; por outro lado, assim também tem feito o chamado “construtivismo”, que se volta predominantemente para as facetas referentes ao letramento, privilegiando o envolvimento da criança com a escrita em suas diferentes funções, seus diferentes portadores, com os muitos tipos e gêneros de texto. No entanto, os conhecimentos que atualmente esclarecem tanto os processos de aprendizagem quanto os objetos da aprendizagem da língua escrita, e as relações entre aqueles e estes, evidenciam que privilegiar uma ou algumas facetas, subestimando ou ignorando outras, é um equívoco, um descaminho no ensino e na aprendizagem da língua escrita, mesmo em sua etapa inicial. Talvez por isso temos sempre fracassado nesse ensino e aprendizagem; o caminho para esse ensino e aprendizagem é a articulação de conhecimentos e metodologias fundamentados em diferentes ciências e sua tradução em uma prática docente que integre as várias facetas, articulando a aquisição do sistema de escrita, que é favorecida por ensino direto, explícito e ordenado, aqui compreendido como sendo o processo de alfabetização, com o desenvolvimento de habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais de leitura e de escrita, aqui compreendido como sendo o processo de letramento.
O emprego dos verbos integrar e articular retoma a afirmação anterior de que os dois processos – alfabetização e letramento – são, no estado atual do conhecimento sobre a aprendizagem inicial da língua escrita, indissociáveis, simultâneos e interdependentes: a criança alfabetiza-se, constrói seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita, em situações de letramento, isto é, no contexto de e por meio de interação com material escrito real, e não artificialmente construído, e de sua participação em práticas sociais de leitura e de escrita; por outro lado, a criança desenvolve habilidades e comportamentos de uso competente da língua escrita nas práticas sociais que a envolvem no contexto do, por meio do e em dependência do processo de aquisição do sistema alfabético e ortográfico da escrita. Esse alfabetizar letrando, ou letrar alfabetizando, pela integração e pela articulação das várias facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita, é, sem dúvida, o caminho para a superação dos problemas que vimos enfrentando nesta etapa da escolarização; descaminhos serão tentativas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta, como se fez no passado, como se faz hoje, sempre resultando em fracasso, esse reiterado fracasso da escola brasileira em dar às crianças acesso efetivo e competente ao mundo da escrita.
SOLÉ, Isabel.
Orientação educacional e intervenção psicopedagógica
A espanhola Isabel Solé dedica-se há anos à pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem da leitura, os processos envolvidos na compreensão leitora e sua vinculação com a aprendizagem. Professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação na Universidade de Barcelona, Isabel Solé é também autora de diversos livros, dos quais três foram publicados em português pela Editora Artmed: Estratégias de Leitura, Aprender e Ensinar na Educação Infantil, em colaboração com Eulalia Bassedas e Teresa Huguet, e o recém-lançado Assessoramento Psicopedagógico, organizado em conjunto com Carles Monereo. A Artmed também está produzindo seu livro Orientação Educacional e Intervenção Psicopedagógica. Na entrevista a seguir, concedida à Pátio por e-mail, Isabel Solé aborda várias questões inquietantes para os educadores que trabalham com alfabetização.
Pátio - Muitos países da América Latina estão preocupados com o analfabetismo. O combate a esse problema continua fazendo parte dos programas de governo de esquerda e de direita. Como a senhora vê a situação da alfabetização hoje na América Latina?
Isabel Solé - Não disponho de conhecimento suficiente sobre as políticas de alfabetização na América Latina para responder concretamente a essa pergunta. Posso apenas apontar que o analfabetismo é um fator de exclusão social e de marginalização, por isso parece lógico que os governos sintam a urgência de erradicar tal problema, especialmente se se trata de um governo de linha progressista, que deve ter na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e coesa um de seus principais objetivos.
Sem que pressuponha nenhum menosprezo pelas pessoas analfabetas, é evidente que nas sociedades letradas elas se encontram em desvantagem em relação aos alfabetizados. Por outro lado, a crescente presença das novas tecnologias da informação e da comunicação exige políticas decididas que garantam a todos os cidadãos o acesso a essas tecnologias, o que comporta um duplo esforço de alfabetização: na linguagem oral e escrita e nos sistemas e códigos de comunicação próprios de tais meios. Não há dúvida de que os desafios são muitos e não abordá-los traz o risco certo de estabelecer novas rupturas e distinções entre os cidadãos: os que possuem as estratégias necessárias para atuar na sociedade da informação e do conhecimento, e podem, portanto, intervir ativamente nela, e os que não as possuem e ficam excluídos. Pátio - Depois de um período de foco no repensar e no reconceitualizar o processo de aquisição da leitura e da escrita, estamos vivendo hoje um momento de sistematizar novas metodologias e buscar recursos para a continuação do processo para além da primeira série.
Como a senhora analisa este momento?
Isabel Solé - Com profunda satisfação. Sempre defendi um enfoque amplo no ensino da leitura que inclua aprender a ler; aprender a aprender através da leitura e aprender a divertir-se lendo. Um enfoque desse tipo exige que a leitura seja considerada como uma questão de projeto escolar, de modo que em cada ciclo e cada nível, da Educação Infantil até o Ensino Médio, sejam contemplados conteúdos específicos de leitura. Quando as crianças já aprenderam a ler autonomamente, resta um longo caminho a percorrer que, na verdade, não termina nunca. Na escola, esse caminho inclui, por um lado, a aprendizagem e o uso competente das estratégias de leitura para aprender a partir de textos: saber dotar-se de objetivos de leitura, saber integrar a nova informação com o conhecimento prévio disponível, saber discernir entre a informação fundamental e a secundária, saber buscar, resumir; sintetizar e reorganizar a informação, saber ler a partir de diferentes fontes... e outras. Por outro lado, na escola, os meninos e as meninas devem encontrar múltiplas oportunidades de desfrutar da leitura: da que outros fazem para eles e da leitura própria, pessoal e independente, vinculada a uma ampla variedade de gêneros. Entendida desse modo, a leitura tem um lugar ao longo de toda a escolaridade; na escola, não se aprende só a ler, mas também se aprendem maneiras de ser leitor, algumas mais funcionais, outras mais restritivas. Pátio - É inegável que a alfabetização, ou melhor, o recurso de ser alfabetizado é um instrumento que possibilita a inserção dos indivíduos na sociedade e na cultura. Tal inserção possibilita uma vida mais criativa, participativa e integrada na sociedade.
Sabe-se que o fracasso escolar e a expulsão da escola que ocorrem hoje estão criando os analfabetos de amanhã. Como enfrentar esse problema estrutural?
Isabel Solé - Como se pode intuir pela minha resposta à primeira pergunta, considero que ser alfabetizado constitui, nas sociedades letradas, um direito que deve estar ao alcance de todos os cidadãos. Cada vez que um
aluno abandona a escola sem ter-se apropriado dos instrumentos básicos de leitura e escrita, fica claro que a sociedade fracassa em seu empenho de dotar seus membros dos recursos necessários para participar ativamente dela. Os fatores que confluem na desmotivação, no absenteísmo escolar, na impossibilidade de dar resposta às dificuldades que determinados alunos encontram para permanecer na escola e para aprender com as oportunidades que lhes são oferecidas são muitos e em sua imensa maioria não têm uma única causa, nem se originam em uma só instituição. A escola não pode enfrentar sozinha problemas cuja gestação e manutenção deve-se, em boa parte, a profundas desigualdades sociais. Isto posto, é preciso pensar que, se as condições pessoais e sociais dos alunos que chegam às escolas são diferentes - como também os próprios ambientes, a cultura, a organização e o funcionamento de cada centro docente -, a resposta educativa a essa diversidade (de interesses, de capacidade, de conhecimento, de recursos) não poderá ser uma resposta homogênea, que só será proveitosa para alguns, mas excluirá outros. Diante de uma resposta rígida, inflexível, distanciada de suas necessidades, muitos alunos não poderão aprender, nem suportar uma instituição à qual não podem adaptar-se, e esta acabará excluindo-os. Quando a escola não pode ensinar a alguns alunos suas linguagens - a linguagem oral especifica da escola e a linguagem escrita -, não há dúvida de que está sendo forjado seu fracasso e o desses alunos, que se veem desprovidos dos instrumentos que a própria escola exige para participar dela.
Disso se deduz que as prioridades devem fixar-se, no que se refere a esse aspecto, em conseguir um ambiente alfabetizador, capaz de incorporar alunos diferentes, de prever suas dificuldades, de otimizar seus recursos e, quando for necessário, de executar as ações especificas necessárias para corrigir e compensar os desajustes e as dificuldades que alguns, sem dúvida, encontrarão. Isto exige não só uma mudança nos conceitos sobre o que significa aprender a ler e nos procedimentos mediante os quais se torna acessível a leitura a alunos distintos, mas também em atitudes que influem inquestionavelmente no ensino. Nesse sentido, é necessário questionar e deixar de aceitar o fato de que um considerável número de alunos não possa aprender a ler e a escrever. Esses alunos estarão quase indefectivelmente destinados ao fracasso, o que nos deveria fazer refletir sobre nossas práticas e reorientá-las.
Pátio - Ao mesmo tempo em que se discute um conceito de alfabetização ampliado, que envolva alfabetizar-se em vários sistemas simbólicos, também se discute o conceito de iletrismo, que aponta a ausência de práticas de leitura que garantam a existência de um leitor no sentido amplo. Como podemos entender essas mudanças conceituais?
Isabel Solé - Em minha opinião, tais mudanças devem-se, em parte, às novas necessidades das sociedades tecnologicamente avançadas, que exigem um leitor efetivamente preparado para ler textos e suportes inimagináveis há apenas algumas décadas, e, em parte, às concepções atuais sobre a leitura, muito distanciadas de sua caracterização como mecanismo ou sistema de decodificação, cujo domínio transformava o analfabeto em uma espécie de "leitor universal". A perspectiva cognitivo-construtivista evidenciou a complexa interação entre o texto e o leitor responsável pela construção do significado, assim como a dimensão profundamente cultural da leitura, que se traduz, entre outros aspectos, nos usos culturais que dela se privilegiam e no caráter culturalmente mediado do que se lê e escreve. Isto é, ser leitor significa ser capaz de ler textos muito diversos para alcançar finalidades múltiplas: os textos e as finalidades que cada grupo social define como constitutivos de sua cultura. Por isso, comentava em uma resposta anterior, que nas escolas não só se aprende a ler, mas também se aprendem maneiras de ser leitor. Alguns alunos aprendem a ler estritamente para passar pela escola com mais ou menos altos e baixos; pode ser que sua leitura seja muito pobre, que não lhes permita o acesso a outros textos ou outros objetivos distintos, necessário, entretanto, do ponto de vista de sua inserção social e para sua formação pessoal. Nesse caso, estamos muito longe da ideia de leitor em sentido amplo, que poderíamos definir como aquele que pode utilizar a leitura para satisfazer as necessidades pessoais, profissionais, de formação contínua e de caráter único que encontrará em seu ciclo vital. É por esse motivo que se insiste, com razão, em que a escola não prepara para ela mesma, mas para a vida, aspecto que as práticas educativas em torno da alfabetização não deveriam negligenciar.
Pátio - A Educação Infantil também tem um papel importante na alfabetização? Como redefinir esse papel à luz das novas perspectivas educacionais?
Isabel Solé - A Educação Infantil tem um papel importantíssimo na formação das meninas e dos meninos em todas as suas capacidades e, é claro, também no que se refere à alfabetização. Quando a escola infantil organiza atividades relevantes do ponto de vista social e promove a participação dos pequenos nessas atividades, de modo que, progressivamente, possam apropriar-se dos conteúdos (estratégias, valores, noções, conceitos, atitudes, etc.) em torno dos quais se desenham essas práticas, sem dúvida está favorecendo seu desenvolvimento. A escola infantil, do ponto de vista da alfabetização, tem um papel crucial para que as crianças se interessem pela leitura e pela escrita, para que possam formular perguntas sobre elas e encontrar respostas a suas interrogações, em uma perspectiva que assume que o acesso ao significado e o gosto pela leitura são componentes essenciais na formação das crianças e que entende que o domínio do código é uma condição necessária, mas não suficiente, para a leitura autônoma. O conhecimento de que dispomos na atualidade mostra que os meninos e as meninas enfrentam desde muito pequenos os problemas que lhes sugere a presença do escrito e suas próprias necessidades de ler e escrever. As soluções mais ou menos convencionais que elaboram para esses problemas indicam como os representam e oferecem aos professores numerosas pistas para intervir. Essa intervenção exige, entretanto, um conhecimento sobre os processos de leitura e de escrita que permita ir além da mera aplicação de uma metodologia, dos mitos e das modas imperantes e de práticas que, às vezes, carecem de fundamento, mas instalam-se nas escolas com facilidade assombrosa. A discussão sobre a leitura em Educação Infantil é um tema apaixonante e delicado; expor em detalhes minha posição excede os limites que impõe uma entrevista como esta e exige, provavelmente, outro formato. Mas posso resumi-la com o título de um artigo que escrevi há algum tempo: Ler em Educação Infantil? Sim. Obrigada! (mas com condições).
Pátio - Um grande problema que a escola continua enfrentando é a avaliação da aprendizagem de leitura e escrita. Do seu ponto de vista, o que e como se deve avaliar? O que priorizar? É possível repensar a avaliação?
Isabel Solé - Com frequência, a avaliação da leitura leva em conta basicamente as notas obtidas pelos alunos em uma prova de leitura expressiva, baseada na velocidade e na precisão, ou em um questionário de perguntas pós-leitura, e desconsideram-se, injustificadamente, as observações mais informais que se pôde fazer ao longo de um processo mais amplo. o qual inclui situações variadas de leitura. A literatura existente sobre o tema e os dados de pesquisa demonstram que, por um lado, à luz do que hoje sabemos sobre a leitura, sua avaliação é bastante restritiva e estereotipada e que, por outro, situações de avaliação aparentemente muito parecidas em nível superficial (elaborar resumos, responder a perguntas após um texto lido, etc.) escondem, na realidade, níveis de complexidade bastante diversos, para os quais confluem distintas variáveis que interagem entre si, sem que se esteja muito consciente desse fato. Aprofundar o conhecimento do que se avalia efetivamente (A memorização? A compreensão inferencial? O reconhecimento literal?) e ensaiar novos meios para que a avaliação seja um ingrediente essencial de um ensino diversificado aparecem como desafios nos quais é preciso avançar. Repensar a avaliação da leitura só é possível a partir de uma reconceituação da própria leitura, sem a qual nem as práticas de ensino nem as de avaliação podem modificar-se além de aspectos superficiais.
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